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Após hiato de 50 anos, “Psicose” está de volta às livrarias do Brasil

Muito repulsivo para o cinema e bastante chocante até para o leitor mais calejado. Sem dúvida, é original, e o autor manipula seus leitores de forma inteligente, não revelando (…) o final (…). Tem uma trama engenhosa, é bem assustador na parte final e, de fato, bastante plausível. Mas impossível para o cinema.

Foi com essas palavras que o então analista de roteiros William Pinckard justificou aos executivos da Paramount, em fevereiro de 1959, a recusa ao livro “Psicose”, de Robert Bloch. Segundo o mesmo, era inviável para a sétima arte. Até Hitchcock resolver, sozinho, provar o contrário. O resto é história.

Foto: Divulgação DarksideO fato novo é que a editora Darkside resolveu, neste ano, relançar o livro que deu origem ao filme considerado como o melhor do gênero de suspense/terror de todos os tempos. “Psicose” está de volta ao Brasil após 49 anos da publicação de sua última edição no país, em 1964. E o melhor, em duas versões: uma especial e limitada com fotos da produção cinematográfica, cuja capa dura contém o inconfundível logotipo criado por Tony Palladino para o longa de Hitchcock; e, também, em brochura, cujo preço será mais popular. Ambos traduzidos por Anabela Paiva.

A mais conhecida obra de Robert Bloch, antes de tornar-se o clássico, foi publicada originalmente em 1959 e baseada no caso do serial killer de Wisconsin, Ed Gein. O protagonista Norman Bates, possui inúmeras características em comum com Gein: solitário, vivia em uma localidade rural isolada, teve uma mãe dominadora e construiu um santuário para ela em um quarto.

Foto: Divulgação DarksideSegundo release da editora, o relançamento do romance preenche um hiato de quase 50 anos no país, quando a maioria das novas gerações não pode ter acesso à obra original que Hitchcock adaptou para o cinema em 1960. Na época, o Mestre do suspense adquiriu anonimamente os direitos de “Psycho” e, em seguida, comprou todas as cópias disponíveis no mercado para que a surpresa do final da obra não passasse a ser de domínio público.

Vendidos nas maiores lojas especializadas do Brasil, as novas edições têm 240 (brochura) e 256 (capa dura) páginas e custam, em média, R$ 39,90 e R$ 59,90, respectivamente. Como Stephen Rebello diz em “Os Bastidores de Psicose”, é possível conhecer Norman em sua plenitude apenas vendo o filme e lendo ao livro. Com tempo limitado, o cinema jamais conseguiria retratar sua intensa “psiqué” como faz a obra literária.

Robert Bloch (1917-1994) foi um escritor norte-americano de terror, fantasia e ficção científica. Autor de centenas de contos e mais de 30 romances, tornou-se mundialmente conhecido por “Psicose” . Teve como mentor H.P. Lovecraft, um dos mestres das histórias de horror e mistério, com quem chegou a trocar cartas. Colaborou com revistas pulp no começo da carreira, como a “Weird Tales”, além de escrever para fanzines de ficção científica e fantasia. Foi um prolífico roteirista para cinema e TV por mais de trinta anos, tendo escrito dez episódios para a série de suspense e mistério “Alfred Hitchcock Presents” (1962-65), o roteiro do remake de “O Gabinete do Dr. Caligari” (1962), de Roger Kay, e três roteiros originais para a série “Star Trek” (1966-67). Ganhou o Hugo Award (pelo conto “That Hell-Bound Train”), além do “Bram Stoker Award” e do “World Fantasy Award”.

“A ‘Alma’ de Hitchcock” (crítica do filme “Hitchcock”, de Sacha Gervasi)

Foto: Divulgação– Alma, I will never be able to find a Hitchcock blonde as beautiful as you.
– I’ve waited thirty years to hear you say that.
– And that, my dear, is why they call me the Master of Suspense…

Pode parecer exagero afirmar que apenas um trecho de diálogo pode resumir toda a história de um filme. Mas, caso não o faça, ao menos dá uma ideia geral a quem ainda não teve a chance de assistir ao longa “Hitchcock”, rodado no ano passado por Sacha Gervasi. Os fãs do mestre (como eu), que tiveram a oportunidade de devorar o livro “Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose”, de autoria de Stephen Rebello, de onde a história fora originada, vão curtir cada segundo simplesmente por trazer o cineasta de volta à vida. Porém, também sentirão falta das minuciosidades que permearam a filmagem de “Psicose” na época, visto que a trama tem o objetivo de retratar as paranoias de um diretor em crise consigo mesmo e sua relação matrimonial.

A grande verdade é que, de maneira alguma, pode-se chamar este filme de “adaptação“. Longe disso. Apesar de introduzir dados e frases do livro (em momentos muitíssimo bem escolhidos, diga-se), “Hitchcock” é apenas baseado na obra de Rebello. Os bastidores das filmagens ficam em segundo plano enquanto, no primeiro, está uma reverência à (com o respeito do trocadilho) “Alma” do diretor. Ao contrário do livro, cujas páginas exploram em detalhes todas as etapas da produção mais aclamada de Hitch, o filme funciona como um defensor da velha máxima que diz “que por trás de todo homem existe uma grande mulher”. Mais do que isso, prova, em seus 98 minutos de duração que, caso o cartaz de divulgação de “Psicose” trouxesse em seu letreiro a expressão “Dirigido por Alfred Hitchcock e Alma Reville”, não seria exagero.

Dependente da esposa para a maioria de suas decisões, o Hitch retratado pelo longa é obcecado por suas atrizes principais, porém inseguro quando a devota esposa inicia um projeto profissional fora de sua relação com o marido. Não bastasse o ciúme, após o lançamento do filme anterior (“Intriga Internacional”) Hitch passa a ser questionado pela imprensa, já às buscas de um novo “mestre do suspense” (“porque eles querem um novo se o original ainda está na ativa?”, questiona). Tudo isso, somado à pressão de se trabalhar em um filme não bancado pela Paramount (fato que o obrigou a hipotecar a própria casa), faz com que Alfred passe a ter delírios com Ed Gein, o assassino da vida real que inspirou a criação do personagem Norman Bates.

Ou seja: uma outra faceta dele mesmo surge na pele de um psicopata e orienta sua vida na ausência de Alma. Apesar da sempre presente abordagem psicológica, o livro não dá esta licença à Gervasi. Perdeu-se, assim, a chance de fazer um longa mais “clean”, e com a possibilidade de trazer à tona outros aspectos muito mais importantes dos tormentos de Hitch na época. Por exemplo, a edição dos créditos de abertura de “Psicose”. As dificuldades encontradas na criação do cenário com o Motel Bates e a mansão de Norman ao fundo. A utilização de dublês para a voz da mãe de Norman, para a cena do chuveiro e a composição do sangue que desce pelo ralo. A introdução da música de Bernard Herrman (exigência de Alma Reville) cuja peça composta apenas de instrumentos de cordas “salvou” o clássico na época.

Ainda assim, não pode-se dizer que Gervasi errou, visto os inúmeros pontos positivos de sua produção. Retrata muito bem a questão da censura e a conturbada relação de Hitch com os mandatários da Paramount, cuja abordagem no livro também é essencial. A referência final à “Os Pássaros”, maquiagem, direção de arte e figurino. Cenas imponentes como a do cineasta “mostrando” como queria que ocorresse a cena do esfaqueamento da personagem Marion Crane. E Hopkins, na pele de Hitch, regendo a música (e as facadas) nesta mesma cena, no hall de entrada do cinema onde acontece a premiére de “Psicose”. Também traz ótimas atuações: Scarlett Johannson e James D’Arcy interpretando Janet Leigh e Anthony Perkins estão impecáveis. Helen Mirren, sempre brilhante. Anthony Hopkins está caricato. Mas assim era o mestre…

Na modesta opinião de quem é fã de Hitch, vi a questão da “psiqué” do personagem central como um exagero que deu outro rumo ao filme. Porém, o objetivo final pretendido pelo diretor fica evidente do início ao fim. Tinha metas claras e sabia o que fazia durante as filmagens. E isso, na atual fase pela qual passa Hollywood e seus inúmeros besteirois, é um fato a ser celebrado. O resto fica por conta do espectador…

Especificações técnicas
Filme: “Hitchcock”
Nome original: “Hitchcock”
País e ano: EUA/ 2012
Produtora: 20th Century Fox (Searchlight Pictures)
Duração: 98 min
Fotografia: Colorido
Gênero: Drama
Direção: Sacha Gervasi
Roteiro: John J. McLaughlin
Produção: Ivan Reitman, Tom Pollock, Joe Medjuck, Tom Thayer, Alan Barnette
Música: Danny Elfman
Elenco: Anthony Hopkins (Alfred Hitchcock), Helen Mirren (Alma Reville), Scarlett Johansson (Janet Leigh), James D’Arcy (Anthony Perkins), Jessica Biel (Vera Miles), Toni Collette (Peggy Robertson), Michael Stuhlbarg (Lew Wasserman), Danny Huston (Whitfield Cook), Michael Wincott (Ed Gein), Richard Portnow (Barney Balaban), Kurtwood Smith (Geoffrey Shurlock), Ralph Macchio (Joseph Stephano)