A segunda queda do nazismo – Os 65 anos de “Festim Diabólico”

Foto: Cartaz -DivulgaçãoO ano de 2013 vai embora e leva consigo uma data que arredonda a estreia de uma inovação cinematográfica de meados do século passado. Há exatos 65 anos, um diretor arriscava transpor cenas do teatro para as telas usando apenas um cenário e oito takes para a edição. Em agosto daquele ano, as salas de todo o mundo receberam “Festim Diabólico” (Rope, 1948), de Alfred Hitchcock, para mostrar aos espectadores, além de uma história fria e tensa, a ousadia de um cineasta destemido.

Baseado em uma peça de Patrick Hamilton, cuja ideia partiu de um caso real ocorrido na Universidade de Chicago, o filme conta a história de dois amigos – Brandon Shaw (John Dall) e Phillip Morgan (Farley Granger) – que matam um terceiro (David Kentley, interpretado por Dick Hogan), o escondem em um baú e utilizam o mesmo para servir um jantar à família, namorada e conhecidos da vítima. Uma célebre frase proferida por Hitch explica o norte do longa: “Se explodirmos uma bomba com duas pessoas na sala, a emoção dura apenas dez segundos. Mas anuncie que a bomba irá explodir, e o suspense dura até o final”.

Utilizada em seu sentido literal nas filmagens de “Velocidade Máxima” (Speed, 1997) e sua sequência, neste caso a frase se aplica apenas para explicar as sensações geradas durante os 80 minutos de filme. E, para dar ainda mais caldo à aflição, a produção teve apenas oito cortes, sendo filmada praticamente inteira em plano-sequência, visto que a sala de estar dos homicidas é o único ambiente da narrativa.

A cada aproximação de qualquer elemento em cena ao baú onde se esconde o corpo, a espinha gela junto à incessante apreensão do excelente Granger, cujo personagem é o executor do assassinato por estrangulamento. O nome original do filme se refere à corda utilizada pelo mesmo na primeira sequência após os créditos iniciais. O crime é justificado por seus autores como uma crença na premissa de que apenas seres humanos superiores são capazes de cometer atrocidades sem deixar-se levar por sentimentos inerentes à uma pessoa “apenas ordinária”.

Antigo defensor desta peculiar teoria, o professor Rupert Cadell, cuja aparição marca o início da parceria de Hitchcock com  o ator James Stewart, é convidado à celebração do post mortem e desvenda o mistério, atuando como detetive em cima da fragilidade de seu aluno interpretado por Farley Granger.

“Festim” foi o longa que praticamente selou a alcunha de “Mestre do Suspense” à Hitch. Não é um filme de terror. É um longa angustiante cuja premissa também revela entrelinhas e significações corajosas para a época. Não apenas por sua filmagem praticamente em tempo real. Mas também pela subjetiva relação homossexual dos personagens centrais e pela crítica implícita aos fundamentos do nazismo, em prática na Alemanha de Hitler poucos anos antes da produção.

Hitch prova, em apenas oito “quadros” de dez minutos, o quão boçal é o ser humano que acredita ser superior à seus semelhantes. A falsa sensação de distinção é substituída, aos poucos, por uma pequenez concebida na mesma proporção. A empáfia dos dois ignorantes cai como uma ditadura voraz diante de um teórico vanguardista arrependido. E o recado perdura aos dias atuais.

Especificações técnicas
Filme: “Festim Diabólico”
Nome original: “Rope”
País e ano: Estados Unidos/ 1948
Produtoras: Universal Pictures, Warner Brothers e Transatlantic Pictures
Duração: 80 min
Fotografia: Colorido
Gênero: Suspense
Direção: Alfred Hitchcock
Roteiro: Hume Cronyn (baseado em peça de Patrick Hamilton)
Produção: Sidney Bernstein e Alfred Hitchcock
Música: David Buttolph
Elenco: James Stewart (Rupert Cadell), John Dall (Brandon Shaw), Farley Granger (Phillip Morgan), Sir Cedric Hardwicke (Mr. Kentley), Edith Evanson (Mrs. Wilson), Douglas Dick (Kenneth Lawrence), Constance Collier (Mrs. Atwater), Joan Chandler (Janet Walker), Dick Hogan (David Kentley).

Sobre Tiago Di Tullio Freitas

Jornalista (diplomado!), 28 anos, pós-graduado também pela PUC-Campinas, insistentemente na mesma área, é escriba almost-pro. Cinéfilo, webgeek e musicalmente eclético (algo entre Beethoven e Iron Maiden, passando por axé, sertanejo e muito samba). Sãopaulino tri-mundial viciado em futebol. Corredor e nadador da espécie ex-sedentarius. Fã de uma mesa de bar, acha que Original é a melhor cerveja, mas não recusa qualquer outra que seja (a rima é incidental). Chocólatra assumido, pizzólatra de sangue italiano (íssimo!) e churrascólatra por brasilidade. Um débil vivendo cada segundo intensamente e ocupando seu lugar no espaço. Virtual…

Publicado em 14/12/2013, em Artigos, Todos e marcado como , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , , . Adicione o link aos favoritos. Deixe um comentário.

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